COMO O ESTRESSE AFETA A VIDA ESPIRITUAL E COMO COMBATÊ-LO?

 Os antigos mestres do deserto tinham um método para recuperar a consciência do amor de Deus, fonte de paz

Recentemente, enquanto contemplava um tranquilo entardecer à beira do mar, parei para pensar quando havia sido a última vez em que reparei em um pôr do sol semelhante, deslumbrando-me com a beleza do oceano e sua enigmática imensidade. Com a harmonia e perfeição das ondas. Com o ágil voo das aves para pegar um peixe.
Foi então que uma ideia ansiosa invadiu minha atenção: a braveza do oceano poderia interromper aquela serenidade? Como saber? Em mais de uma ocasião, no entanto, permitimos que tais pensamentos nos perturbem. Será que, quando éramos crianças, nos preocupávamos tanto quando íamos à praia?
Pensando sobre aquele entardecer, lembrei da aguda observação do escritor britânico C. S. Lewis: “Nós nos preocupamos com o ontem. Nós nos preocupamos com o hoje. Nós nos preocupamos com o amanhã. Simplesmente nos preocupamos”.
Estes pensamentos nos tornam pessoas exageradamente ansiosas e estressadas? Não necessariamente. Todos nós nos inquietamos. O problema ocorre quando a preocupação se torna ingovernável, invadindo e asfixiando nosso campo de consciência.
A palavra “estresse” nos parece familiar, pois já é um ícone da cultura atual. A maioria de nós pensa que é sinônimo de “preocupação”. Se você está preocupado, então está estressado.
No entanto, “estresse” tem um sentido mais amplo. Significa também mudança, uma situação que gera transformação. Não importa se é uma mudança positiva ou negativa. Ambas são estressantes.
Explicado de maneira simples, o estresse é uma reação inata à mudança, a tudo aquilo que gera instabilidade. O estresse está intimamente relacionado à ansiedade, mas pode se transformar em uma intensa angústia, a ponto de ultrapassar os mecanismos biológicos e psíquicos de autor regulação.
Um dos primeiros pesquisadores nesta área foi o endocrinologista alemão Hans Selye, que, na década de 1930, indicou que o organismo reagia drasticamente diante de certas experiências perturbadoras, tanto orgânicas como psicológicas, denominando-as “estressoras”. Selye se referia particularmente ao excesso deestresse, que deve ser objeto do nosso alarme.
Como comprovaram Selye e outros pesquisadores, os estressores são hábitos, sintomas orgânicos e ideias que podem causar desbordamentos emocionais. Também agem como estressoras aquelas situações que tentamos esquecer: uma doença, algo que nos dê vergonha ou a possibilidade de cair no vazio se temos medo de altura. Talvez um dos maiores estressores seja a ansiedade diante do indeterminado.
Não é novidade que nos exponhamos a níveis elevados de estresse. Enquanto isso ocorra em momentos breves e não nos altere demais, ainda é governável.
Mas, como descobriram médicos e psicólogos, o estresse excessivo e constante pode afetar muito nosso sistema cardíaco e imunológico. Pode gerar problemas gástricos e excesso de peso. Também afeta a memória, favorecendo as lembranças apreensivas.
As células cerebrais (neurônios) se comunicam entre si mediante “mensagens químicas”, os neurotransmissores. Quando a pessoa é exposta a níveis exagerados de estresse, a comunicação começa a se deteriorar. Afetados os mensageiros, sofremos sintomas como insônia, dores generalizadas, depressão e angústia.
É comum fugir das pressões buscando refúgio na evasão. A pessoa é particularmente criativa para fugir da realidade e dos sintomas que lhe advertem que algo está mal; mas aquilo gera mais ansiedade.
Não é que faltem realidades agravantes em nossa cultura, favorecedora das distrações.
Diariamente, devemos enfrentar situações como a falta de sincronia existencial, aquele relativismo que questiona nossos valores sobre o bem e a verdade.
As pessoas estressadas caminham rumo ao abatimento. O Journal of Clinical Psychological Science advertia, após um estudo, acerca das consequências nocivas de permanecer “rumiando” os acontecimentos negativos, porque acabaremos obcecados pelo que saiu mal antes de buscar soluções aos problemas.
Os pesquisadores também afirmaram que certas situações estressantes, inadequadamente tratadas, impossibilitam as ações necessárias para combater as formas de pensar repetitivas, carregadas de pessimismo, chamadas de “catastróficas”, e os comportamentos impulsivos que vêm de crenças errôneas.
Atualmente, em nossas culturas, muitas vezes se perde de vista a dimensão espiritual da pessoa, enfatizando-se mais o âmbito psicológico e orgânico. Sem dúvida, a realidade do estresse tem uma dimensão psicológica importante, que muitas vezes precisa de um tratamento terapêutico adequado, mas isso não significa ignorar a dimensão espiritual da pessoa.
As implicações do estresse vão muito além das suas consequências psíquicas, e por isso é preciso levar em consideração o notável impacto do excesso de estresse na vida espiritual.
Isso já foi identificado na antiguidade cristã, cuja espiritualidade favorecia a paz centrada na segurança do amor de Deus, antes que nas evasões e no autoengano.
Estar aflito não é ruim?
Nas bem-aventuranças, o Senhor Jesus vai ao encontro dos abatidos. Entre os que se reuniram para escutá-lo naquela montanha da Galileia, abundavam pessoas sofredoras: pobres, famintos, temerosos, doentes, desprezados, perseguidos.
Certamente, Jesus não estava em capacidade de oferecer-lhes bens materiais, porque era pobre. Tampouco possuía uma solução imediata para cada uma das suas angústias. Mas lhes anunciava: “Felizes os que choram, porque serão consolados!” (Mt 5, 5).
Refletindo sobre aquela sentença, o Papa emérito Bento XVI se perguntou se era bom estar aflito, inclusive se era desejável denominar “bem-aventurada” a desolação.
No entanto, Jesus estava ensinando com paradoxos. No monte, falava a pessoas que haviam perdido a esperança e que possivelmente já não confiavam no amor e na verdade, situação que abate e destrói o homem por dentro. O Santo Padre também destacava que, entre eles, havia pessoas ansiosas pela verdade. Outros estavam aflitos pelas suas imperfeições, desejando mudar.
Jesus se oferece a eles, com seu testemunho de esperança e reconciliação. Mateus menciona aquele convite: “Vinde a mim todos vós que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28). O Senhor manifesta que Deus está compartilhando nossa vida. Ele nos fala enviando seu Filho amado! “Deus não pode padecer, mas pode compadecer-se”, afirmava São Bernardo.
São Paulo indicava como ideal a obtenção da paz interior, que contrastava com a confusão e o autoengano, favorecedores da ansiedade. Para o Apóstolo, era claro que Deus deseja que as pessoas vivam em paz (cf. 1 Cor. 14, 33).
Mas, como grande conhecedor do espírito humano, São Paulo entendia muito bem suas contradições, razão pela qual insta os cristãos a trabalhar para obter a paz da alma, que está em sintonia com a salvação (cf. Rm 15, 13).
Esta paz, fundada na abnegação, na virtude e na entrega generosa, contém a renúncia à discórdia; em concreto, a rejeição das controvérsias inúteis que ofuscam o coração e obscurecem a verdade (cf. 2 Tm. 2, 23). Ao contrário, São Paulo favorece a escuta, a compaixão e a oração.
Os antigos monges do Egito recomendavam a confrontação das crenças e comportamentos opostos ao Evangelho. Incentivavam a paciência, que abre o amplo horizonte da esperança, educando-nos na visão da eternidade.
Também ensinavam que a oração constituía o caminho da graça santificante para enfrentar vícios capitais, como a preguiça, causantes de angústias maiores. Entendida geralmente como “desânimo”, a preguiça suscitava gravíssimas dificuldades morais e espirituais, particularmente a perda da consciência do amor de Deus.
No século IV, Santo Antônio Anacoreta, pai do monacato egípcio, descreveu certos estados perturbados pelo excesso de preocupação.
Para o santo monge, as apreensões espirituais desatavam desordens interiores, bem como temores, pensamentos confusos, abatimento, desânimo, evasão dos exercícios ascéticos, aflições, apegos desordenados, medo exagerado da dor e da morte, instabilidade de caráter, inquietação diante da virtude e inclinação ao pecado.
Evagrio Póntico (345-399), teólogo e místico do monacato primitivo, advertia que a pessoa podia lidar com “estressores”, mas não lhe era possível carregar o tempo inteiro memórias negativas, rancores, medos, culpas, ansiedades e frustrações.
Inclusive semelhante estado de desesperança poderia transformar-se em um vício habitual, a ponto de destruir a vontade e adoecer o espírito. Evagrio fazia referência à importância da memória, porque entendia que as lembranças nocivas podiam facilmente arrancar-nos da paz e “cansar-nos” das coisas de Deus.
Os antigos mestres do deserto praticavam a presença de Deus, a chamada “meme Theos”, que gera serenidade, esperança e paz.
Os monges também rezavam a oração do Nome de Jesus: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador”, um método de oração que tinha, entre outras finalidades, a de incentivar uma oração contínua e recuperar a consciência do amor de Deus, ensinamento primordial de Jesus Cristo.
Voltando ao entardecer diante do oceano, acaso o Senhor Jesus não se recolhia na tranquilidade da solidão, próximo ao Mar da Galileia, para orar ao Pai? (cf. Lc, 5, 16).

(Artigo publicado originalmente pelo Centro de Estudios Católicos)

Fonte: Aleteia

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