PAULO VI E A RENOVAÇÃO CARISMÁTICA

Dirigimos agora uma palavra aos Congressistas de Grattaferrata!

Alegramo-nos com vocês, queridos amigos, pela renovação de vida espiritual que se manifesta hoje em dia na Igreja, debaixo de diferentes formas e em diversos ambientes.

Certas notas comuns aparecem nesta renovação:

-        o gosto por uma oração profunda, pessoal e comunitária;

-        um retorno à contemplação e uma ênfase marcante no louvor a Deus;

-        o desejo de entregar-se totalmente a Cristo;

-        uma grande disponibilidade às inspirações do Espírito Santo;

-        um uso mais assíduo das Escrituras;

-        uma ampla abnegação fraterna;

-        a vontade de prestar uma colaboração aos serviços da Igreja.

Em tudo isto podemos reconhecer a obra misteriosa e discreta do Espírito que é a
alma da Igreja.

A vida espiritual consiste, antes de tudo, no exercício das virtudes de fé, de esperança e de caridade.  Ela encontra seu fundamento na profissão de sua fé.

Esta foi confiada aos pastores da Igreja para que a mantenham intacta e contribuam a
desenvolvê-la em todas as atividades da comunidade cristã.  A vida espiritual dos fiéis está sob a responsabilidade pastoral ativa de cada bispo em sua própria diocese. É particularmente oportuno recordar isto diante destes fermentos de renovação que suscitam tantas esperanças.

Por outro lado, mesmo nas melhores experiências de renovação, a cizânia pode
misturar-se com o bom grão.  Portanto, um trabalho de discernimento é indispensável,
o qual corresponde a aqueles que têm esta missão da Igreja: “compete-lhes especialmente não extinguir o Espírito mas examinar tudo e ficar com o que é bom” (1 Tes 5,12; 19-21) (Lumen Gentium, nº 12).  Deste modo progride o bem-comum da Igreja ao qual se ordenam os dons do Espírito (1 Cor 12,7).

(Palavras do Papa na audiência de 10 de outubro de 1973).

UM NOVO PENTECOSTES?

“A Igreja vive pela infusão do Espírito Santo, infusão que chamamos graça, isto é, dom por excelência, caridade, amor ao Pai comunicado a nós em virtude da Redenção realizada por Cristo, no Espírito Santo.  Recordemos a síntese de Santo Agostinho: “O que a alma é no corpo do homem, é, o Espírito Santo para o Corpo de Cristo, que é a Igreja”.

O SOPRO VITAL DA GRAÇA

Verdade conhecida. Todos nós já a temos ouvido repetir e proclamar, pelo recente Concílio. “Consumada a obra que o Pai confiara ao Filho realizar na terra, foi enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes, a fim de santificar continuamente a Igreja para que deste modo os fiéis tenham acesso ao Pai, por meio de Cristo em um mesmo Espírito.  Ele é o Espírito de vida … O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis como em um templo; neles ora e dá testemunho de sua adoção filia.  Introduz a Igreja na verdade total, unifica-a na comunhão e no ministério, edifica-a e a dirige com diversos dons
hierárquicos e carismáticos, adorna-a com sues frutos.

Pela força do Evangelho a rejuvenesce e incessantemente a renova …” (Lumen
Gentium 4).

UM NOVO PENTECOSTES

O que agora nos urge afirmar é a necessidade da graça, isto é, de uma intervenção divina que supera a ordem natural, tanto para nossa salvação pessoal, como para o cumprimento do plano de redenção em favor de toda a Igreja e da humanidade, à qual a misericórdia de Deus chama para a salvação…  A necessidade de graça supõe uma imprescindível carência por parte do homem, supõe a necessidade de que o prodígio de Pentecostes tenha que continuar na história da Igreja e do mundo; e isto na dupla forma na qual o dom do Espírito Santo é concedido aos homens:

Agora, porém, eu diria que a curiosidade – embora seja uma curiosidade muito legítima e linda – se fixa em outro aspecto.  O Espírito Santo, quando vem concede dons.  Já conhecemos os sete dons do Espírito Santo.  Mas concede também outros dons que agora se chamam… (bem, agora … e sempre) se chamam carismas.  Que quer dizer carismas?  Quer dizer dom; quer dizer uma graça. São graças particulares dadas de um para outro, para que haja o bem. Um recebe o carisma de sabedoria, para que chegue a ser mestre; outro recebe o Dom de milagres, para que possa realizar atos que, através da
maravilha e da admiração, conduzam à fé etc …

·      
Ora, esta forma carismática de dons que são dons gratuitos e de si mesmos não necessários, mas dados pela superabundância da economia do Senhor, que quer fazer a Igreja mais rica, mais animada e mais capaz de auto definir-se a auto documentar-se, se denomina precisamente de “efusão dos carismas”.  Hoje se fala muito disso e levando-se em conta a complexidade e a delicadeza do tema, não podemos senão desejar que estes dons venham e oxalá com abundância.  Que além da graça haja carismas que também hoje a Igreja de Deus pode possuir e obter.

·      
Os Santos, isto é, os Padres, especialmente Santo Ambrósio e São João Crisóstomo, têm dito que os carismas foram abundantes nos primeiros tempos.

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O Senhor deu esta, chamemo-la de grande chuva de dons, para animar a Igreja, para fazê-la crescer, para firmá-la, para sustentá-la.  Depois a economia destes dons tornou-se, diria eu, mais discreta, mais … econômica.  Porém sempre existiram santos que realizaram prodígios.  Homens excepcionais existiram sempre na Igreja.  Quisera Deus, que o Senhor aumentasse ainda uma chuva de carismas para fazer a Igreja fecunda, bonita e maravilhosa, capaz de impor-se inclusive à atenção e ao pasmo do mundo profano, do mundo laicizante.

·             
Citaremos um livro que foi escrito precisamente nestes tempos pelo Cardeal Suenens, que se intitula “Um Novo Pentecostes”.  Ele descreve e justifica esta expectativa que pode ser realmente uma providência histórica na Igreja de uma maior efusão de graças sobrenaturais que se chamam carismas.

Agora nos limitaremos a recordar as principais condições que devem existir no homem
para receber o dom de Deus por excelência, que é precisamente o Espírito Santo, o qual sabemos, “sopra onde quer” mas não recusa o desejo de quem o espera, o chama e o acolhe (ainda que este mesmo desejo provenha de uma íntima inspiração sua).  Quais são estas condições?  Simplifiquemos a difícil resposta dizendo que a capacidade de receber este “doce hóspede da alma”, exige fé, exige a humildade e o arrependimento, exige normalmente um ato sacramental e, na prática de nossa vida religiosa, requer o silêncio, o
recolhimento, a escuta e sobretudo a invocação, a oração, como fizeram os Apóstolos com Maria no Cenáculo.  Saber esperar, saber invocar: “Vinde Espírito Criador, Vinde Espírito Santo”.

Se a Igreja souber entrar em uma fase de tal predisposição para uma nova e perene vinda do Espírito Santo, Ele, a “luz dos corações”, não demorará em entregar-se, para gozo, luz, fortaleza, virtude apostólica e caridade unitiva, de tudo em fim, de que hoje necessita a Igreja.

Assim seja. Com nossa bênção apostólica.

(Discurso do Papa na audiência de 16 de outubro de 1974.  Os parágrafos antecedidos
por um asterisco não foram lidos no texto que o Papa tinha preparado e que foi
publicado no L’Osservatore Romano, mas improvisados, gravados e difundidos
pelos serviços da Rádio Vaticana).

A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO NA IGREJA

Este ano Santo haveis escolhido a cidade de Roma para celebrar vosso VIII Congresso
Internacional, amados filhos e queridas filhas.  Foi-nos pedido que nos encontrássemos hoje convosco e que vos dirigíssemos a palavra: desta forma quisestes manifestar vossa adesão à Igreja instituída por Jesus Cristo e a tudo o que para vós representa esta sede de Pedro.  Este interesse em vos situar dentro da Igreja é sinal autêntico da ação do Espírito Santo.  Pois Deus se fez homem em Jesus Cristo, cujo corpo místico é a Igreja, na qual foi comunicado o Espírito de Cristo no dia de Pentecostes, quando desceu sobre os Apóstolos reunidos no “andar de cima”, “perseverando unânimes na oração”, “com Maria, a mãe de Jesus” (At 1.13-14)

O PRODÍGIO DE PENTECOSTES SE PROLONGA NA HISTÓRIA

Em outubro passado dissemos, na presença de alguns de vós, que a Igreja e o mundo
necessitam mais do que nunca que “o prodígio de Pentecostes se prolongue na história” (L’Osservatore Romano, Edição em língua espanhola, 20 de outubro de 1974, p. 2).  Com efeito, o homem moderno, embriagado por suas conquistas, chegou a crer, para dizê-lo com a palavra do último Concílio, que “ele é seu próprio fim, o único artífice e criador de sua própria história” (Gaudium et Spes, 20,1).  Infelizmente, para muitos dos
que, por tradição, seguem professando existência de Deus e, por dever, seguem dando culto, Ele se converteu em algo alheio à sua vida!

Para um mundo assim, cada vez mais secularizado, não existe nada mais necessário do
que o testemunho desta “renovação espiritual”, que o Espírito Santo suscita hoje, visivelmente, em regiões e ambientes os mais diversos.  As manifestações desta renovação são copiadas: comunhão profunda de almas, contato íntimo com Deus na fidelidade aos compromissos assumidos no batismo, em uma oração amiúde comunitária onde cada um, expressando-se livremente, ajuda, sustenta e estimula a oração dos demais, baseado tudo numa convicção pessoal, derivada não somente da doutrina recebida pela fé, mas também de uma certa experiência vivida, que consiste em saber que sem Deus o homem nada pode e que com Ele, pelo contrário, tudo é possível.  Daí essa necessidade de louvá-lo, dar-lhe graças, celebrar as maravilhas que opera em toda parte, em torno de nós e em nós mesmos.  A existência humana encontra sua relação com Deus, a chamada “dimensão vertical”, sem a qual o homem está irremediavelmente mutilado.  Não que esta busca de Deus se mostre como um desejo de conquista ou de posição: esta procura quer ser pura acolhida dAquele que nos ama e que se nos entrega livremente, desejando, porque nos ama, comunicar-nos uma vida que temos que receber gratuitamente dEle, mas não sem humilde fidelidade de nossa parte.  Esta fidelidade tem que saber unir a fé e as obras, segundo a doutrina de São Tiago: “Pois como o corpo sem o espírito é morto, assim, também a fé sem obras é morta” (Tg 2,26).

Então, não será uma graça para a Igreja e para o mundo esta “renovação espiritual”?  E, neste caso, como não adotar todos os meios para que isto continue acontecendo?

Estes meios, queridos filhos e queridas filhas, o Espírito Santo os indicará de acordo com a prudência daqueles a quem “Ele mesmo constituiu bispos para apascentar a Igreja de Deus (At 20,28).  Porque foi o Espírito Santo quem inspirou a São Paulo algumas diretrizes muito precisas, que apenas vos recordaremos.
Segui-las fielmente será vossa melhor garantia para o futuro.

Sabeis quanta importância dava o Apóstolo aos “dons espirituais”.
“Não extingais o Espírito”, escrevia aos Tessalonicenses (1 Tes5,19), acrescentando a continuação: “examinai tudo; abraçai o que é bom” (ibid. 5,21).  Portanto, considerava que sempre era necessário um discernimento e confiava sua vigilância aos que havia colocado à frente da comunidade (ibid. 5,12). Com os Coríntios, alguns anos depois, entra em maiores detalhes; ensina-lhes sobretudo três princípios, à luz dos quais poderiam
efetuar este discernimento indispensável com maior facilidade.

A DOUTRINA DE SÃO PAULO SOBRE OS CARISMAS

O primeiro, com o qual começa sua exposição, é a fidelidade à autêntica doutrina da fé (1 Cor 12, 1-3).  O que contradiz esta doutrina não pode vir do Espírito Santo; aquele que distribui seus dons é o mesmo que tem inspirado a Escritura e assiste ao magistério vivo da Igreja, à qual, segundo a fé católica, Cristo confiou a interpretação autêntica desta escritura (Dei Verbum, 10).  Por isso sentis a necessidade de uma formação doutrinal cada vez mais profunda.  Bíblica, espiritual, teológica.  Somente uma formação
assim, cuja autenticidade tem que garantir a hierarquia, vos preservará de desvios sempre possíveis e vos proporcionará a certeza e a satisfação de haver servido à causa do Evangelho “não como quem bate no ar” (1 Cor 9,26).

Segundo princípio.  Todos os dons espirituais devem ser recebidos com gratidão; sabeis que sua enumeração é comprida (1 Cor 12, 4-10. 28-30), embora não pretenda ser completa (Rom 12, 6-8; Ef 6,11).  Contudo, concedidos “para utilidade comum” (1 Cor 2,7), nem todos contribuem para tanto em um mesmo grau. Por isso os coríntios devem aspirar “aos melhores dons” (ibid. 12,31), aos mais úteis para a comunidade (ibid. 14, 1-5).

O terceiro princípio é o mais importante no pensamento do Apóstolo.
Sugeriu-lhe uma das páginas indubitavelmente mais maravilhosas de todas as literaturas, à qual um autor recente deu um título evocativo: “Acima de tudo paira  o amor” (E. Osty).

TODOS OS DONS DO ESPÍRITO SE ORDENAM PARA O AMOR

Por mais desejáveis que sejam os dons espirituais – e o são certamente – somente o
amor de caridade, o ágape, faz o cristão perfeito, somente ele torna o homem “agradável  a Deus”, “gratia gratum faciens”, diriam os teólogos.  Porque este amor não somente supõe um dom do Espírito, implica também na presença ativa de sua Pessoa no coração do cristão.

Comentando estes versículos os Padres da Igreja o explicam constantemente.  Segundo
São Fulgêncio, para citar um exemplo, “o Espírito Santo pode conferir toda classe de dons sem estar Ele mesmo presente, entretanto, quando concede o amor, prova que Ele mesmo está presente pela graça”, “se ipsum demonstrat per fratiam praesentem, quando tribuit caritatem” (Contra Fabianun, fragmento 28: PL 65, 791).  Presente na alma, juntamente com a graça, comunica-lhe a própria vida da Santíssima Trindade, o mesmo amor com que o Pai ama o Filho no Espírito (Jo 17,26); o amor com que Cristo nos amou e com o qual nós, por nossa parte, podemos e devemos amar aos nossos irmãos (Jo 13,34) “não de palavra nem de língua, mas de obra e de verdade” (1 Jo 3,18).

CARIDADE OPERANTE

Sim, pelos frutos se conhece a árvore, e São Paulo nos diz que os frutos do Espírito
são: “caridade, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, esperança” (Gál 5,22), tal como os descreve em seu hino ao amor.  A ele se ordenam todos os dons que o Espírito Santo distribui a quem quer, pois o que constrói é o amor (cf. 1 Cor 8,1).  Assim como foi o amor, que depois de Pentecostes fez dos primeiros cristãos uma comunidade: “perseveravam na doutrina dos apóstolos” (At 2,42) “tinham um coração e uma só alma” (ibid. 4,32).

Segui fielmente estas diretrizes do grande Apóstolo.  E, segundo a doutrina do mesmo apóstolo, sede fiéis também à celebração freqüente e digna da Eucaristia (1 Cor 11, 26-29).  É o meio escolhido pelo Senhor para que tenhamos sua vida em nós (Jo 6,53).  Assim também aproximai-vos igualmente com confiança do sacramento da reconciliação.  Estes sacramentos manifestam que a graça nos vem de Deus, através da mediação necessária da Igreja.

Queridos filhos e queridas filhas: com a ajuda do Senhor, contando com a intercessão de
Maria, Mãe da Igreja e em comunhão de fé, de caridade e de apostolado com vossos pastores, estareis seguros de não equivocar-vos.  Desta forma contribuireis da vossa parte para a renovação da Igreja, que é a renovação do Mundo.

Jesus é o senhor!   Aleluia!

(Audiência de 19 de maio de 1975.  O texto deste discurso, pronunciado em francês,
aparece transcrito no L’Osservatore Romano, edição espanhola).

Fonte: Cléofas

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