S.S. PIO XXII: Lourdes e a Santa Sé – 2ª Parte

Tiara: tríplice coroa dos Papas
Conclusão do post anterior

6. Estes cem anos de culto mariano teceram, ademais, entre a Sé de Pedro e o santuário pirenaico laços estreitos, que nos apraz reconhecer. A própria virgem Maria não desejou essas aproximações?
“O que em Roma, pelo seu magistério infalível, o sumo pontífice definia, a Virgem Imaculada Mãe de Deus, a bendita entre as mulheres, quis, ao que parece, confïrmá-lo por sua boca, quando pouco depois se manifestou por uma célebre aparição na gruta de Massabielle”.(5)
Certamente, a palavra infalível do pontífice romano, intérprete autêntico da verdade revelada, não necessitava de nenhuma confirmação celeste para se impor à fé dos fiéis.
Mas com que emoção e com que gratidão o povo cristão e seus pastores não recolheram dos lábios de Bernadete essa resposta vinda do céu: “Eu sou a Imaculada Conceição”!
7. Por isso, não é de admirar que os nossos predecessores se hajam comprazido em multiplicar os seus favores para com esse santuário.
Desde 1860, Pio IX, de santa memória, regozijava-se de que os obstáculos suscitados contra Lourdes pela malícia dos homens houvessem permitido “manifestar com mais força e mais evidência a clareza do fato”.(6)
E, forte dessa segurança, ele cumula de benefícios espirituais a Igreja recém-educada, e faz coroar a estátua de nossa Senhora de Lourdes.
Leão XIII, em 1892, concede o oficio próprio e a missa da festa “in apparitione Beatae Mariae Virginis Immaculatae”, coisa que o seu sucessor estenderá em breve à Igreja universal; o antigo apelo da Escritura aí achará, de então por diante, aplicação nova:
“Levanta minha amada, formosa minha, vem a mim! Pomba minha, que se aninha nos vãos do rochedo, pela fenda dos barrancos!”(7)
Pelo fim da sua vida, o grande pontífice fez questão de inaugurar e de benzer pessoalmente a reprodução da gruta de Massabielle edificada nos jardins do Vaticano, e, na mesma época, a sua voz se elevava para a Virgem de Lourdes por uma prece ardente e confiante:
“Que, no seu poder, a Virgem Mãe, que outrora cooperou por seu amor no nascimento dos fiéis na Igreja, seja ainda agora o instrumento e a guardiã da nossa salvação; ...restitua a tranqüilidade da paz aos espíritos angustiados; apresse enfim, na vida privada como na vida pública, o retorno a Jesus Cristo”.(8)
Beato Pio IX: definiu solenemente o
dogma da Imaculada Conceição

8. O cinquentenário da definição dogmática da imaculada conceição da santíssima Virgem ofereceu a São Pio X o ensejo de atestar num documento solene o liame histórico entre esse ato do magistério e a aparição de Lourdes:
“Apenas Pio IX definira de fé católica que desde a origem Maria foi isenta de pecado, a própria Virgem começava a operar maravilhas em Lourdes”.(9)
Pouco depois, cria ele o título episcopal de Lourdes, ligado ao de Tarbes, e assina a introdução da causa de beatificação de Bernardete.
Reservado estava sobretudo a esse grande papa da eucaristia frisar e favorecer a admirável conjunção que existe em Lourdes entre o culto eucarístico e a oração marial.
Nota ele: “A piedade para com a Mãe de Deus ali fez florescer uma notável e ardente piedade para com Cristo nosso Senhor”.(10)
Podia, aliás, ser diversamente?
Tudo em Maria nos leva para seu Filho, único salvador, na previsão de cujos méritos ela foi imaculada e cheia de graças; tudo em Maria nos eleva ao louvor da adorável Trindade, e bem-aventurada foi Bernardete desfiando o seu terço diante da gruta, e dos lábios e do olhar da Virgem Santa aprendendo a dar glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo!
Por isso somos felizes, neste centenário, de associar-nos a essa homenagem prestada por São Pio X:
“A glória única do santuário de Lourdes reside no fato de nele serem os povos atraídos de toda parte, por Maria, à adoração de Cristo Jesus no augusto sacramento; de sorte que aquele santuário, ao mesmo tempo centro de culto mariano e trono do mistério eucarístico, excede em glória, ao que parece, todos os outros no orbe católico”.(11)
9. Aquele santuário já cumulado de favores, Bento XV fez questão de enriquecê-lo de novas e preciosas indulgências, e, se as trágicas circunstâncias do seu pontificado não lhe permitiram multiplicar os atos públicos da sua devoção, todavia ele quis honrar a cidade mariana concedendo ao seu bispo o privilégio do pálio no lugar das aparições.
Pio XI, que fora pessoalmente peregrino de Lourdes, prosseguiu a obra dele, e teve a alegria de elevar aos altares a privilegiada da Virgem, tornada, sob o véu, Irmã Maria Bernarda, da Congregação da caridade e da instrução cristã.
Por assim dizer, não autenticava ele por sua vez a promessa da Imaculada à jovem Bernardete, “de ser feliz não neste mundo, mas no outro”?
E de então por diante Nevers, que se honra de guardar a urna preciosa, atrai em grande número os peregrinos de Lourdes, desejosos de aprender junto à santa a acolherem como convém a mensagem de nossa Senhora.
Em breve o ilustre pontífice, que a exemplo dos seus predecessores acabava de honrar com uma Legação as festas de aniversário das aparições, decidia encerrar o jubileu da redenção na gruta de Massabielle, lá onde, segundo os seus próprios termos, “a Virgem Maria Imaculada várias vezes se mostrou à bem-aventurada Bernardete Soubirous, onde com bondade exortou todos os homens à penitência, naquele lugar mesmo da estupenda aparição que ela cumulou de graças e prodígios”.(12)
Em verdade, concluía Pio XI, aquele santuário “passa agora, a justo título, por ser um dos principais santuários marianos do mundo”.(13)
10. A esse unânime concerto de louvores como não haveríamos nós de unir a nossa voz?
A história destes cem anos, que acabamos de evocar a grandes traços, não é, com efeito, uma constante ilustração dessa benevolência pontifícia, cujo último ato foi o encerramento, em Lourdes, do ano centenário do dogma da imaculada conceição?
Mas a vós, caros filhos e veneráveis irmãos, gostamos de lembrar especialmente um documento recente, pelo qual favorecíamos o surto de um apostolado missionário na vossa cara Pátria.
Nele quisemos evocar “os méritos singulares que, no correr dos séculos, a França adquiriu para si no progresso da fé católica”, e, a este título, “volvíamos a nossa mente e o nosso coração para Lourdes, onde, quatro anos após a definição do dogma, a própria Virgem imaculada confirmou sobrenaturalmente, por aparições, conversas e milagres, a declaração do doutor supremo”.(16)
11. Ainda hoje nos volvemos para o célebre santuário que se prepara para acolher nas margens do Gave a multidão dos peregrinos do centenário.
Se, desde há um sécolo, ardentes súplicas, públicas e privadas, pela intercessão de Maria, ali têm obtido de Deus tantas graças de cura e de conversão, temos a firme confiança de que neste ano jubilar nossa Senhora quererá ainda com largueza corresponder à expectativa de seus filhos; mas temos sobretudo a convicção de que ela nos exorte a recolhermos as lições espirituais das aparições e a enveredarmos pela trilha que ela tão claramente nos traçou.

Notas:

(5) Decreto De Tuto para a canonização de santa Bernardete, 2 de julho de 1933: AAS 25(1933), p. 377.
(6) Carta de 4 de setembro de 1869 a Henri Lasserre: Arquivo secreto vaticana, Ep. lat. an.1869, n. 388, f. 695.
(7) Ct 2, 13-14. Gradual da Missa da festa das Aparições.
(8) Breve de 8 de setembro de 1901: Acta Leonis XIII, vol. 21, pp.159-160.
(9) Carta encíclica Ad diem illum, de 2 de fevereiro de 1904: Acta Pii X, vol. 1, p.149.
(10) Carta de 12 de julho de 1914: AAS 6(1914), p. 377.
(11) Breve de 25 de abril de 1911: Arch. Brev. Ap., Pius X, an.1911, Div. Lib. IX, pars I, f. 337.
(12) Breve de 11 de janeiro de 1933: Arch. Brev. Ap. Pius XI, Ind. Perpet, f.128.
(13) Ibidem.
(14) Carta encíclica Fulgens corona, de 8 de setembro de 1953: AAS 45(1953), p. 578.
(15) Ibidem.
(16) Constituição apost. Omnium Ecclesiarum, de 15 de agosto de 1954: AAS 46,1954, p. 567.





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