OS BEM-AVENTURADOS, A FOME E SEDE DE JUSTIÇA

No Sermão da Montanha, Jesus Cristo declarou “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!” (Mt 5, 6).

Meditemos a quarta “Bem-aventurança”, na qual nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina que são “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!” (Mt 5, 6). Esta é o tema do quarto artigo da série que a Fraternidade Discípulos da Mãe de Deus produz sobre as Bem-aventuranças.

No Sermão da Montanha, Jesus Cristo declarou “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!” (Mt 5, 6).O nascimento do Menino Jesus num presépio (cf. Lc 2, 7).

Minha Mãe do Céu, quanto mais eu te tenho, mais eu te quero!

Meu Pai do Céu, quanto mais eu comungo o teu Filho, mais fome tenho de seu Pão!

Quando reflito nesta Bem-aventurança, mais eu rezo e me entrego na súplica, para que meu desejo pelas coisas celestiais aumente e adorne a minha alma.

O que a fome e a sede de justiça não são?

Quando você ouve falar em fome e em sede, associa à comida e à bebida? Não pense que Nosso Senhor, por pregar nos desertos, esteve no Monte estimulando a inanição e ao estado de esgotamento ou de extremo enfraquecimento, por falta de alimentos. Não era essa a intensão.

Existem filhos de Deus que sentem fome pela falta de oportunidades e por ausência de dinheiro para aquisição de alimentos. Outras pessoas sentem fome pela falta de coragem. Tem algumas que normalmente não tomam iniciativas por preguiça, que provoca aversão ao trabalho, seja mental ou físico. O preguiçoso evita qualquer ato de esforço. Por isso, não luta para alcançar seus objetivos e alimentos.

Mas, esta “fome e sede” segundo a quarta Bem-aventurança não será saciada pela capacidade humana. Esta fome, a que se reporta o texto, não pode ser amenizada ou restaurada pela “gula”, na qual se comeria sem limites. A gula, segundo os padres do deserto, é literalmente a “loucura do ventre” e pode gerar muitos outros pecados. O comer e o beber em excesso é uma transgressão, ou pecado. A gula é um dos desvios da mortificação e quando generalizada é um descontrole e um pecado.

A fome e a sede de justiça das Bem-aventuranças não pode ser considerada como desvios ou doença espiritual, pois o compelir, ou seja, o prazer de ser e fazer justiça “algo agradável a Deus e aos irmãos”, nos proporcionará sempre a felicidade tão esperada de sermos “saciados”.

Você tem fome e sede de justiça?

Tudo precisa ser equilibrado. Ao sermos instigados a ter essa “fome”, nosso Senhor não está dizendo para sermos gananciosos, no desejo exacerbado de ter, de receber, ou ser mais “saciado” do que os outros. Todos nós, seres humanos, dependemos uns dos outros e temos muitas necessidades. Mas, isto não nos dá o direito de passar por cima dos outros.

Você é justo? Suas qualidades estão em conformidade com a sua fé, com o direito e com a solidariedade? Você é desapegado e sabe dar sem “interesse de benefícios”? É modesto, ou seja, humilde em reconhecer o que cabe a cada indivíduo por direito, dever e merecimento? Zaqueu disse a Jesus: “se tiver defraudado alguém, restituirei o quádruplo” (Lc 19, 8). Você respeita as leis estabelecidas? Já fez alguma infração no trânsito? Seu nome já foi parar no SPC? Comprou, pagou! Esta é a regra. Nesse sentido, o apóstolo São Paulo era considerado “quanto à justiça legal, declaradamente irrepreensível” (Fl 3, 6).

A atividade econômica que você desenvolve (seu trabalho profissional) de onde provém seu dinheiro, está dentro dos limites da ordem moral e segundo as normas da justiça social? Você tem autocontrole para não desrespeitar os direitos dos membros de sua família? Ou será que no dia a dia você percebe em si antipatia, autopiedade, avareza, cobiça, confusão, ciúme, inveja, fome e sede? Você se acha injustiçado quando faz uma bondade para alguém e não é reconhecido, aplaudido e homenageado? Isto seria uma ofensa a sua pessoa?

Calma, relaxe! Todos nós estamos em uma caminhada rumo à santidade, rumo a Deus. Entre nossos hábitos encontramos muitas virtudes e detectamos inúmeros defeitos, porque estamos em um processo de conversão. Ou seja, ainda estamos em um estado de imperfeição, buscando a perfeição.

É fácil criticar os “políticos de hoje”. É instantâneo nomeá-los de corruptos e interesseiros! Mas, a sua fome é diferente da deles? A sua fome e sede é de justiça?

O que é ter têm fome e sede de justiça?

A justiça de Deus não está baseada na vingança, castigo e prisão, mas em valores como mansidão, sensibilidade, misericórdia e perdão, amor e liberdade. Nosso Senhor proclama esta quarta Bem-aventurança, não no sentido de ter ou conservar algum bem temporal e corporal que servisse de vaidade e perdição. Mas, precisamos compreender que Seu objetivo era de apontar para a dimensão dos bens eternos e espirituais, para a nossa edificação e salvação.

Será que o profeta Elias usou da “justiça divina” com a viúva de Sarepta? Esta história está no livro dos Reis (cf. I Rs 17, 10-24). A viúva só tinha um punhado de farinha e um pouco de óleo na ânfora a fim de comer com o seu filho e morrerem. Quando, o Profeta mandou-a trazer, em nome do Senhor Deus, um pouco de água e também um pedaço de pão.

Recorrer à justiça divina é ver e julgar os fatos, o contexto, não conforme a nossa vontade, mas de acordo com a vontade de Deus. Analise, reflita, julgue o profeta Elias. Ele foi errado e desonesto? Deus tinha exortado Elias: “Vai para Sarepta de Sidon e fixa-te ali: ordenei a uma viúva desse lugar que te sustente” (I Rs 17, 9). Elias diz à viúva para não temer e transmite a ela as palavras do Deus de Israel: “A farinha que está na panela não se acabará, e a ânfora de azeite não se esvaziará, até o dia em que o Senhor fizer chover sobre a face da terra” (I Rs 17, 14). E aí, o que você acha que aconteceu a viúva.? Ela foi ou não “saciada”? Confira a palavra: “A farinha não se acabou na panela nem se esgotou o óleo da ânfora, como o Senhor o tinha dito pela boca de Elias” (I Rs 17, 16).

Ter fome e sede de justiça é ser obediente a Deus. A obediência é um grande dom. O próprio Cristo a testemunhou se fazendo obediente e dócil até a morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8). Se dizemos amar Deus, mas não obedecemos aos seus mandamentos, somos injustos, mentirosos e o amor de Deus não está em nós (cf. I Jo 4, 20). Amor só de palavras, não é amor, não é justiça.

Se o mundo diz que a “maconha, o aborto e a eutanásia” são aprovados pelas leis humanas, adotaremos essas práticas em nossas vidas? Conhecemos bem o direito e a vida pregada por Jesus Cristo. Tenhamos muita prudência com aquilo que as autoridades terrenas dizem ser: legal, lícito e legítimo. Abramos os olhos. Nossas escolhas e prioridades podem nos levar a satisfação, a saciedade, ou ao interdito, à privação desta.

São Luís Maria Grignion de Montfort, em livro chamado: “O Amor da Sabedoria Eterna”, fala propriamente do ato de estar “saciado carnalmente”:

A sabedoria carnal é o amor pelo prazer. Os sábios segundo o mundo professam essa sabedoria quando não procuram senão o prazer dos sentidos; quando têm prazer em comer e beber; quando afastam de si tudo o que eventualmente poderá mortificar e incomodar o corpo, como sejam jejuns, mortificações, etc; quando, habitualmente, pensam só em comer, beber, em jogar, em rir, em divertir-se e a passar gozosamente o seu tempo1.

Montfort nos ajuda a entender que ser “saciado espiritualmente” é reluzir a imagem e semelhança de Deus, ou seja, ser santos. Em outro livro, no “Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem”, ele nos fala sobre esta busca pela perfeição:

A mais perfeita devoção é aquela pela qual nos conformamos, unimos e consagramos mais perfeitamente a Jesus Cristo, pois toda a nossa perfeição consiste em sermos conformados, unidos e consagrados a Ele. Ora, pois que Maria é, de todas as criaturas, a mais conforme a Jesus Cristo, segue daí que, de todas as devoções, a que mais consagra e conforma uma alma a Nosso Senhor é a devoção à Santíssima Virgem, sua santa Mãe, e que, quanto mais uma alma se consagrar a Maria, mais consagrada estará a Jesus Cristo2.

A fome e sede de justiça, presentes nos pais de Jesus Cristo

Maria Santíssima estava tão cheia de Deus, transbordante da graça, que saciava a todos que encontrava. Foi isto que aconteceu no encontro com sua prima: “Apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (Lc 1, 41).

São José recebeu o título de Justíssimo. Quando soube da gravidez da Virgem Maria, tinha certeza que aquele que estava no ventre de Maria não era filho dele. Mas, também compreendia que naquele ventre virginal havia um mistério grande demais, que ele não era capaz de compreender, por isso, em nome da justiça, sem querer mentir, pensou em abandoná-la, assumindo para si a má fama por deixar Maria: “José, seu esposo, que era homem de bem [justo], não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente” (Mt 1, 19).

Por revelação, entendeu que mais do que escutar a sua consciência, ele precisava estar atento a vontade de Deus. Para receber Maria, ele foi saciado com o espírito da coragem: “Não temas!” (Mt 1, 20). Foi preenchido por um esponsal respeitoso e comprometido e foi selado com uma paternidade responsável e amorosa.

Materialmente falando, São José e a Virgem Maria provavelmente sentiram fome e sede. Devia existir escassez de água, pois eram muitas pessoas para se alistarem por ocasião do recenseamento. Como eles, muitos ficaram sem receber acolhimento (cf. Lc 2, 3). De forma repentina, na fuga para o Egito, também não devem ter se preparado com mantimentos, por isso devem ter passado fome e sede pelo caminho (cf. Mt 2, 14).

Espiritualmente, certamente eles sempre sentiram fome e sede: a necessidade de Deus e souberam recorrer a sua Onipotência. Então, aplica-se a eles muito bem o Salmo 62: “Ó Deus, vós sois o meu Deus, com ardor vos procuro. Minha alma está sedenta de vós, e minha carne por vós anela como a terra árida e sequiosa, sem água” (Sl 62, 2). Este desejo por Deus fazia com que eles sempre estivessem cheios e fossem, cada vez mais, saciados.

José e Maria tinham o entendimento de seus dons, mas vivenciaram a renúncia destes talentos pessoais, para acolherem a Providência de Deus, na execução do projeto divino. São José, sendo carpinteiro, teria gosto em fazer um “bercinho” para o Menino Deus, mas soube se alegrar com a lição da “justiça para todos”, no ensino oferecido através do despojamento da pobre e simples manjedoura. Com esta atitude de acolhimento da vontade de Deus, foi saciado com a graça de, na circuncisão, dar o nome a Jesus e ser considerado o seu pai (cf. Lc 2, 21).

A Virgem de Nazaré, com suas habilidades, não pode preparar o enxoval do Verbo, mas acolheu-O humildemente, “envolvendo-o em faixas” (Lc 2, 7), quase que como prenúncio do doloroso sepultamento do Cristo, quando também foi envolvido por faixas (cf. Jo 19, 40). No entanto, a Virgem Maria se alegrou com a justiça de dar à luz seu filho primogênito sem passar pelas dores físicas do parto.

Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “A Virgem Maria cooperou ‘para a salvação humana com livre fé e obediência’. Pronunciou seu ‘fiat’ (faça-se) ‘em representação de toda a natureza humana’. Por sua obediência, tornou-se a nova Eva, Mãe dos viventes”3. Será que Ela não seria saciada por Deus? Deus não usaria de justiça com sua mãe? Por sua obediência, Nossa Senhora foi Assunta aos Céus e coroada como Rainha.

O Cristo deu-nos este mandamento: amarás o Senhor Deus de todo o teu coração e a teu próximo como a ti mesmo (cf. Mc 12, 30-31). Maria, Mãe dos patriarcas, cumpriu plenamente esse duplo preceito. Ela não só obedecia, mas se tornou modelo da virtude da obediência. Durante toda a sua vida terrena, a nossa Mãezinha respeitou e obedeceu aos pedidos e às proibições de seu Filho. Seu testemunho e ensinamento é reflexo dessa obediência ao mandamento do amor: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2, 5).

Podemos certamente dizer que ter fome e sede de justiça, é ter fome e sede da glória de Deus. Por isso, a Virgem Maria nos forma e impulsiona para seu filho Jesus, dando a Ele toda a glória que lhe é devida. A este respeito dessas almas formadas e impulsionadas por Nossa Senhora, Montfort nos diz em seu Tratado:

Estas grandes almas, cheias de graça e de zelo, serão escolhidas em contraposição aos inimigos de Deus a borbulhar em todos os cantos e elas serão especialmente devotas da Santíssima Virgem, esclarecidas por sua luz, alimentadas de seu leite, conduzidas por seu espírito, sustentadas por seu braço e guardadas sob sua proteção, de tal modo que combaterão com uma das mãos e edificarão, com a outra (cf. Ne 4, 17). Com a direita combaterão, derrubarão, esmagarão os hereges com suas heresias, os cismáticos com seus cismas, os idólatras com suas idolatrias, e os ímpios com suas impiedades; e com a esquerda edificarão o templo do verdadeiro Salomão e a cidade mística de Deus, isto é, a Santíssima Virgem que os Santos Padres chamam “o templo de Salomão” e “a cidade de Deus”. Por suas palavras e por seu exemplo, arrastarão todo o mundo à verdadeira devoção e isto lhes há de atrair inimigos sem conta, mas também vitórias inumeráveis e glória para o único Deus4.

A promessa da Bem-aventurança: serão saciados!

Sente-se incomodado com as injustiças feitas contra a sua Igreja Católica Apostólica Romana? Já ouviu falsamente blasfêmias contra a dignidade e a santidade da Virgem Maria? Diante disso, vai ficar inerte, parado, sem nada fazer? Clame o Espirito Santo! Ele sempre dará sua assistência e você cheio e saciado deste espírito de ousadia, de parrésia, poderá ser instrumento para preparar outras pessoas, justamente para reconhecerem Jesus Cristo como o Rei do Universo.

O retorno Glorioso de nosso Deus é certo e Ele virá para julgar os vivos e os mortos, como dizemos no Credo Apostólico. Ter fome e sede de justiça significa buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça. Esta justiça divina vai além do que os olhos humanos podem ver. Pois, nosso Deus é Onipotente (todo poderoso), Onisciente (possui saber pleno) e Onipresente (está em toda parte).

Neste Ano Santo da Misericórdia, mais do que nunca, podemos afirmar, com o Papa Francisco, que Deus é Misericórdia. Nesse sentido, a Igreja quer nos saciar com os exemplos virtuosos da Virgem Maria, como Mãe de Misericórdia e da Misericórdia. Sendo novas “Marias no mundo”, estaremos sempre saciados. Não que mereçamos receber nosso Redentor, mas por puro ato de compaixão, Deus feito homem vem até nós na Eucaristia. Jesus, depois do anúncio das Bem-aventuranças, falou sobre o Pão de Vida: “Eu sou o pão da vida: aquele que vem a mim não terá fome, e aquele que crê em mim jamais terá sede” (Jo 6, 35). Na Eucaristia, o próprio Deus vem ao nosso encontro, para saciar a nossa fome e a nossa sede de justiça e também de misericórdia, até Sua segunda e definitiva vinda: “Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22, 20).

 

Links relacionados:

TODO DE MARIA. Meditações sobre as Bem-aventuranças.

TODO DE MARIA. Bem-aventurados os pobres de coração.

TODO DE MARIA. Bem-aventurados os que choram.

TODO DE MARIA. Bem-aventurados os mansos.

 

Referências e notas:

1 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. O Amor da Sabedoria Eterna, 81.

2 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem, 120.

3 PAPA JOÃO PAULO II. Catecismo da Igreja Católica, 511.

4 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Op. cit.,  48.

Fonte: Todo de Maria

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