A “LOUCURA” DA CRUZ–Parte II

Continuação do post: A “Loucura” da Cruz - Parte I

Onde, porém, perguntareis, colocar a alegria numa vida como a de Jesus Cristo?
Onde ver a alegria naquela Cruz?! Pois a Paixão do Homem-Deus não foi o sumo da dor, e por consequência exclusão de toda alegria?!
Sim; a Paixão de Jesus Cristo foi uma dor real, completa e tão vasta que abrangeu toda a Sua vida, desde o primeiro vagido do Presépio até ao derradeiro gemido do Calvário.
É só aparentemente que se distinguem o berço do menino Deus e a Cruz do Varão de dores; na realidade se confundem a manjedoura de Belém e o monte Calvário.
Para o menino, pela ciência completa de Sua alma e o pleno uso de Sua razão, a previsão de Seus opróbrios e ignomínias, de Seus sofrimentos e de Sua morte era já uma paixão substancial.
Se as dores físicas da Paixão não Lhe torturavam já os músculos,os nervos e a carne pela vivacidade da Sua previsão dava-Lhe um horror e tremor correspondentes.
Aliás, os sofrimentos da santa infância, agravados pela fraqueza física e a impossibilidade voluntária de fazê-las conhecer, foram em Jesus Cristo dores físicas perfeitas. Quanto às dores morais, a santa infância é em toda a realidade o começo da Paixão: o presépio é o Calvário que começa.
Exterior e interiormente, Nosso Senhor sofreu desde o primeiro instante de Sua vida terrestre. Derramou lágrimas, sentiu frio, fadigas, terrores, o desprezo e a perseguição dos homens, e todos os tristes resultados da pobreza e do silêncio a que voluntariamente se condenou.
Nasceu fora dos muros de uma cidade, súdito de um imperador romano; ainda menino, teve necessidade do exílio para escapar ao furor de um déspota; os elementos, que Ele próprio tinha criado, o sol, o vento, a chuva, molestaram o Seu corpo infantil;
A Sua infância reuniu todas as condições da pobreza, e o pleno uso de Sua razão, a plena ciência de Sua alma, sem dúvida Lhe tornaram penitências cruéis todas as fraquezas que em nós são o resultado do pecado, mas nEle eram os mistérios da Encarnação.
A vista interior que Ele tinha dos pecados de todos os homens; de suas perfídias e ingratidões; das vicissitudes de Sua Igreja;
Dos combates improfícuos do Amor Divino pela salvação de tantas almas que recusaram, que recusam e que hão de recusar tantos testemunhos da Sua misericórdia, aumentavam sem dúvida, esses sofrimentos exteriores da santa infância.
Onde, portanto, ver a alegria numa existência tão atribulada e na qual ainda mesmo os sofrimentos futuros não eram simples profecias, eram já uma paixão substancial?!
Pois a alegria está ali, a maior das alegrias que tenha feito na terra palpitar um coração.
A todos os instantes, desde o Presépio ao Calvário, durante mesmo o abandono na Cruz, e não obstante todos os sofrimentos da Paixão, Jesus Cristo era bem-aventurado, era perfeitamente feliz, Sua alma palpitava de alegria.
Parece-nos impossível no coração de Jesus Cristo a harmonia de uma tão grande alegria com uma tão grande dor; mas isso somente porque não compreendemos as operações das duas naturezas – divina e humana- numa só pessoa, nem compreendemos a dupla vida de viajor e compreensor que a alma de Jesus levava na terra.
Mas a razão esclarecida pela teologia nos diz que a alegria em Jesus Cristo não foi menos real que a dor.
Como, porém, poderemos compreender a vida de Jesus Cristo sem a alegria? Ele era na terra o próprio Verbo revestido da nossa natureza; era o próprio Deus, e não podemos compreendê-lO senão como uma imensa alegria.
Deus é a bem-aventurança,
A perfeição, a felicidade, a alegria; e o Verbo de Deus não é senão a infinita alegria do Pai substancial e perfeitamente reproduzida no Filho, unidos ambos por um amor substancial, que não é também senão um coninfinito de alegria.
Mas, se Deus é alegria, tudo que procede de Deus não pode ser senão a alegria. A criação foi a primeira efusão da alegria; a redenção a segunda, porque a redenção não se fez senão para que o mundo reassumisse o seu destino primitivo.
Sendo o Verbo o próprio Deus e sendo Deus uma infinita alegria, esta alegria que se comunica a todas as Suas obras comunica-se também à Sua humanidade santa. Que inefáveis alegrias as do Verbo encarnado!
Alegria da perfeição da Sua humanidade; do pleno uso da Sua razão; da perfeita ciência da Sua alma; da Sua soberania e realeza sobre a criação; da completa visão que Ele tem de Deus; da perfeita adoração que Lhe presta;
Do Seu amor pela Mãe Imaculada que Ele próprio criou; pelos homens Seus irmãos, que veio resgatar; pela Igreja, Sua noiva, que veio esposar; pela própria Cruz, que, desde o primeiro instante da Sua vida terrestre, plantava com gozo inefável no centro do Seu coração, como o símbolo da Sua vitória e o emblema da redenção!
O Criador no seio da Sua criação! Um homem perfeito compreendendo todas as leis do mundo físico, todos os mistérios do mundo moral!
Uma alma humana tendo a visão de todos os enigmas do universo; de todas as vicissitudes da humanidade! Nada Lhe sendo desconhecido no passado, no presente, no futuro!
Ele vê todos os séculos futuros; vê o combate improfícuo de todas as civilizações contra a Sua Cruz; vê o desenvolvimento sucessivo e completo da Sua obra, as Suas vicissitudes, os seus triunfos;
Vê em toda a série de idades os Seus milhões de adoradores; os milhões de súditos de Sua Mãe; vê a vitória decisiva e final da Sua Igreja; vê, enfim, glorificada a nova humanidade, de que Ele foi o Salvador!
Que alegrias inefáveis! Que júbilo infinito!
Por isso é feliz nas Suas próprias dores; por isso Ele encontra a alegria na própria presciência de Sua Paixão; por isso, ávido, como Ele próprio o dizia, pelo batismo de sangue, na Agonia do Jardim, antecipa o Seu sacrifício e na Cruz do Calvário sacia a sede do Seu amor!

Fonte: retirado do livro “A Paixão” do Rev. Pe. Júlio Maria de Lombaerde.

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