OS NOVE MODOS DE REZAR DE SÃO DOMINGOS

O tema da oração foi, desde sempre, muito querido na Igreja. Grandes Doutores da Igreja como Santo Agostinho, São Gregório, Santo Hilário, Santo Isidoro, São João Crisóstomo, São João Damasceno, São Bernardo, e outros piedosíssimos doutores, gregos e latinos, escreveram grandes tratados sobre a oração. Eles recomendaram-na, descreveram-na, mostraram a sua necessidade e os seus benefícios, explicaram o seu método, preparação e obstáculos. Também São Tomás de Aquino e Santo Alberto Magno, da Ordem Dominicana, nos seus diversos escritos, expuseram com nobreza, santidade, devoção e elegância a maneira de rezar segundo a qual a alma se serve dos membros do corpo a fim de se elevar a Deus com mais fervor; de tal modo que a alma que anima o corpo é por sua vez animada por este e entra em êxtase, como nos diz São Paulo, ou então num santo arrebatamento, como experimentou o profeta David.
A este respeito, convém narrar o que fazia São Domingos, que recorria frequentemente a este modo de oração através do corpo.
É de se notar que também os Santos do Antigo e Novo Testamento rezavam assim, algumas vezes. Na verdade, este método excita a devoção, pela ação recíproca da alma sobre o corpo e do corpo sobre a alma. Graças a ele, São Domingos chegava a derramar copiosas lágrimas. E crescia-lhe a tal ponto o fervor da vontade que ele não conseguia impedir que os membros de seu corpo manifestassem sua piedade por algum sinal inequívoco. Com que êxtases o seu espírito não se entregava então a pedidos, súplicas, e ações de graças.

Não falaremos aqui dos grandes movimentos de fervor que lhe eram habituais na celebração da Santa Missa e na recitação dos salmos. De fato, muitas vezes no decorrer dessas funções sagradas, no Coro como em viagem, ele era arrebatado de repente acima de si mesmo, perdendo-se em Deus, na companhia dos anjos.
Oferecemos-lhe, aqui, os nove modos de rezar de São Domingos, descritos por um dominicano português do século XVI, fr. João da Cruz.
OS NOVE MODOS DE REZAR DE SÃO DOMINGOS
1. INTRODUÇÃO
Mas não se deve calar nem passar, em geral, com as outras virtudes deste santo confessor, a sua fervorosa e contínua oração, sem que façamos uma especial menção dela. Pois quem leia atentamente tudo quanto dissemos até aqui, em tudo encontrará que resplandeceu nele esta  virtude  com  grande  claridade.  Porque  o  bem-aventurado  santo,  em  todas  as  suas obras,  tinha  a  oração  por  instrumento  para  as  fazer,  amava-a  e  seguia-a,  como  joia  de inestimável valor na vida espiritual.

Porque, como vimos, rezando, este homem de Deus fazia tantos milagres. Rezando recebia revelações divinas e alcançava maravilhosas vitórias do adversário. Rezando conseguia de Nosso Senhor as graças que lhe pedia, para si e para os seus frades, tanto temporais como espirituais. Rezando penetrava em muitos sentidos da sagrada escritura, mais do que pela lição ou pelo estudo. Rezando ganhava ânimo para pregar tão sábios e frutuosos sermões.
E não duvido que, pela oração, alcançou de Deus a inocência que teve e a perseverança na sua santidade.
Finalmente,  esta  poderosa  e  maravilhosa  virtude  que  o  santo  varão  tinha  tão  contínua  e familiar, que toda a sua vida era uma contínua oração.
E quanto à oração comum, à qual estava obrigado pelo estado clerical, já acima se disse que era diligentíssimo e com suma atenção rezava todo o ofício, de dia e de noite. E nos conventos assistia sempre com grande cuidado e vigilância na solenidade do ofício divino. E caminhando, se ouvia tocar a Matinas nalgum mosteiro ou nalguma igreja,  levantava-se e despertava os seus companheiros e rezava com eles.
Mas não rezava só com a língua, mas – como diz o apóstolo – com o espírito e com a alma.
E  não  se  contentava  em  rezar  ao  Senhor  só  com  o  espírito,  mas  com  a  língua e  com  a garganta – também lhe servia – e com outros movimentos do corpo.
A sua principal oração e mais elevado espírito era quando celebrava o Santíssimo Sacrifício da Missa, o qual fazia todos os dias onde quer que se encontrasse e tivesse oportunidade. E com muito temor e reverência celebrava, como se visse a Nosso Senhor Jesus Cristo em corpo e  alma,  conversando  com  os  homens,  ou  cravado  na  cruz.  E  com  tantas  lágrimas dizia  toda  a  Missa,  sobretudo  quando  chegava  ao  Pai  Nosso,  que  a  todos  os  presentes colocava  em grande devoção. E quando ouvia ou via a outro sacerdote celebrar da mesma maneira,  começava  a  chorar.  E  quando  via  e  adorava  o  Senhor,  dava  tantos  gemidos  e gritos,  que  achou  melhor,  por  muito  tempo,  não  ouvir  Missa  na  companhia  dos  seus religiosos, para não os inquietar.
Desta maneira se punha nas orações comuns e de obrigação. Mas não se contentava com isto, sabendo que, ainda que o servo de Deus faça tudo o que lhe é mandado fazer, se deve chamar servo inútil. Por isso, em muitas outras horas do dia e principalmente da noite, fazia oração a Deus levantando o seu espírito com grande fervor e caridade, e exercitando-se nas santas meditações: ou da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou da sua Divindade, ou das suas ações, ou dos seus benefícios, segundo o que o Espírito Santo ia guiando o seu espírito.  E  como  tinha  a  sua  carne  obediente  à  alma,  juntamente  se  exercitava  com  os movimentos do corpo, segundo as diversidades das aflições e pensamentos que tinha na sua alma, porque, como diz o salmista, a sua alma e a sua carne se alegravam no Deus vivo. E com os mesmos gestos avivava ainda mais o fogo da devoção.
E, segundo isto, tinha diferentes maneiras de rezar na postura do seu corpo, sem dúvida ordenado e  composto  pela  interior  devoção  da alma.  A  qual, porque aos  homens  estava escondida, pareciam estranhos e desordenados os movimentos e as palavras que dava e dizia, porque poucos entendem a força do espírito no tempo da oração. Por isso diz David: “feliz o povo que sabe o que é louvar”, que é um gozo da alma com o seu Deus que não se pode explicar com palavras, mas também não se pode dissimular para que não se mostre por um sinal exterior.
2. INSTRUÇÕESPrimeiro modo.Muitas  vezes,  segundo  alguns  religiosos  que  o  viram,  colocava-se  diante  de  um  altar, inclinando  não  só  a  cabeça  mas  meio  corpo,  com  tanto  respeito  como  se  estivesse  na presença  do  Senhor, que  o  altar  representava  na  sua  alma.  Entendendo  ainda  desta humilhação corporal o que diz Salomão: “a oração do que se humilha penetra os Céus”, e trazendo à memória a humildade do Filho de Deus, por nós crucificado.
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Estou prostrado diante de Ti, Senhor. (Sl. 146,6)
Segundo modo.Outras vezes deitava todo o corpo por terra, rebaixando-se e depreciando-se, como se não fosse  digno  de  estar  de  pé.  Imitando  o  exemplo  dos  santos  Reis  que  assim  prostrados adoraram o Menino Jesus. E lembrando-se que o próprio Senhor, perto da sua Paixão, com a  face  por  terra,  rezou  ao  Pai  no  horto.  E, então,  dizia  as  palavras  daquele  humilde publicano que  não  ousava  levantar  os  olhos  ao  alto:  “Deus,  tem  misericórdia  de  mim, pecador”, e o que o profeta David escreve: “A minha  alma está prostrada no pó da terra, e o meu coração e as minhas entranhas coladas à terra”.
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Prostrada ao pó está minha alma; vem, por causa do teu amor e me resgata. (Sl. 43, 26)
Terceiro modo. Outras vezes fazia oração em pé, levantado e direito, em especial quando se disciplinava. E então dizia: “A vossa disciplina, Senhor, me castigou, e a vossa disciplina me ensinará”.
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Tem piedade de mim ó Deus, por tua imensa misericórdia. (Sl. 150, 1)
Quarto modo.Outras vezes, rezava de joelhos e dizia as palavras do leproso que, nessa posição, pediu a cura  ao  nosso  Redentor:  “Senhor,  se  quiserdes  podeis  curar-me”.  E  as  que  disse  Santo Estêvão,  quando,  enquanto  lhe  atiravam  pedras  se  colocou  de  joelhos  e  disse:  “Senhor, recebe  o  meu  espírito”.  E,  depois  disto,  clamava  tão  alto,  que  os  frades  ouviam.  E  dizia fortemente o  mesmo que  David:  “A  ti,  Senhor eu  clamo, não  te  cales nem  deixes de  me responder”. E dito isto, descansava assim, de joelhos. E já não se ouvia a sua voz, mas dentro  do  seu  coração  falava  para  si,  movendo  os  lábios,  como  a  mãe  de  Samuel.  E algumas vezes, levantava os olhos e o rosto, como se quisesse subir ao céu, e subitamente se alegrava e limpava as suas lágrimas que lhe corriam dos olhos. Outras vezes levantava-se e voltava a ajoelhar-se, e isto repetia muitas vezes.
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A Ti eu clamo, Senhor, à minha voz não fiques surdo.
Dá ouvido aos meus apelos. (Sl. 27, 1)
Quinto modo.
Outras vezes estava em pé e direito, diante do altar, sem se encostar a alguma coisa. E tinha  as  suas  mãos  abertas,  diante  do  peito,  somo  se  estivesse  lendo  algum  livro  com grande atenção e reverência, e parecia que dentro de si meditava as palavras de Deus e que entendia  os  mistérios da divina escritura. E  algumas  vezes tinha  os  ouvidos atentos, como  para  ouvir  e  entender  o  que  lhe  diziam,  punha  as  mãos  sobre  os  seus  olhos  e apertava-os fortemente. Outras vezes levantava as mãos até aos ombros, abertas como as coloca o sacerdote quando diz Missa.
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Como os olhos dos servos se voltam para as mãos de seus senhores; como os olhos da serva se voltam para a mão de sua senhora, assim se voltam para Ti, ó Senhor, os nossos olhos. (Sl. 122, 2)
Sexto modo.
Outras vezes rezava em pé, de braços estendidos em modo de cruz, e algumas vezes via-se o seu corpo levantado da terra. E chorava fortemente, lembrando-se de quando o nosso Redentor  esteve  levantado  na  cruz,  preso  por  três  cravos,  pedindo  ao  Pai  por  nós,  com muitas lágrimas, como diz o Apóstolo. E dizia com David:“A ti, Senhor, eu clamo, durante o dia estendo a ti a minhas mãos”.
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Eu clamo por Ti ao longo dos dias, as minhas mãos para Ti eu estendo. (Sl. 87, 10)
Sétimo modo. Outras vezes rezava em pé, com os braços estendidos ao alto e as mãos juntas acima da cabeça, como se fossem uma seta, e algumas vezes as abria como se estivesse a receber alguma coisa que lhe enviavam do alto. E dizia como o salmista: “Ouve o grito das minhas súplicas quando  te  invoco, quando ergo  as  minhas  mãos para  o  teu santuário”.  E então, segundo parecia aos frades, pedia e alcançava de Deus os favores  e mercês para a sua Ordem. Mas não demorava muito neste modo de orar, que frequentemente se arrebatava e saía fora de si, mas logo voltava a si como se voltasse de novo ao mundo, ou como quem vinha de um longo caminho.
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Como incenso se ponha a minha oração em Tua presença, sejam também vespertina oferenda as mãos que eu levanto. (Sl. 140, 2)
Oitavo modo. Outras vezes rezava desta maneira. Acabando de ler ou ouvir alguma santa lição, afastava se  para  um  lugar  secreto  e  meditava  no  que  tinha  lido  e  escutado.  E  viam-no  como  se estivesse pregando e disputando com algum companheiro. Umas vezes como se estivesse irado consigo  mesmo, outras,  risonho e  contente, outras,  choroso;  outras  vezes,  quieto e descansado, e então ouviam-no dizer o que o profeta dizia: “prestarei atenção ao que me diz o Senhor Deus”.
E era seu costume, antes da oração, ler alguma coisa santa e, acabando de ler, fechava o livro e prestava-lhe reverência, inclinando-se diante dele e beijava-o, sobretudo se eram os Evangelhos. E algumas vezes, acabando de ler, colocava a sua fronte sobre as suas mãos e cobria a cabeça com o escapulário.
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Eu quero ouvir o que Deus que me dizer. (Sl. 84, 9)
Nono modo.
Outras vezes rezava caminhando (como dissemos acima) e dizia para si ou ao companheiro o que escreve o profeta Oseias: “vou levá-la a um lugar deserto e falar-lhe ao coração”.  E quando ficava  sozinho,  adiantando-se  ou ficando  para  trás, fazia  muitas  vezes  sobre  si  o sinal  da  cruz,  e  mexia  muitas  vezes  a  mão,  levantada  diante  do  seu  rosto,  como  quem sacode de si mosquitos ou quem enxota moscas.
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No caminho do amor da Trindade, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
3. CONCLUSÃO
Estas  nove  maneiras  de  rezar usava  o  bem-aventurado  Padre,  quando  e  onde  o encaminhava o Espírito Santo, como aqueles santos animais que viu o profeta Ezequiel. E quem  duvida  que  admoestaria  com  poderosas  razões  aos  seus  frades  a  que  fizessem  o mesmo.
E como se diz da  águia, que voa diante dos seus filhos para os incitar a que eles voem, assim o santo varão se colocava como exemplo aos seus súditos para que rezassem, e para que  na  sua  Ordem  perseverasse  este  santo  exercício  como  importantíssimo  para conservação de toda a virtude.
Fr. João da Cruz, op (séc.  XVI)
in "Crónica de la Orden de Predicadores" (Lisboa, 1567)
Tradução.: fr. Filipe, op | Revisão: Maria Torres
Visto em: http://www.isdomingos.com/index.asp?art=21952. Transcrevemos o PDF.
Vide também:
http://dominicanos.pmeevolution.com/index.asp?art=6516. Ilustramos as imagens com os versículos.
Original em inglês:
http://www.fisheaters.com/stdominic9ways.html.

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