QUARESMA: HISTÓRIA, TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

Por: Ms. VANDERSON DE SOUSA SILVA
MESTRE EM  TEOLOGIA LITÚRGICA Rio de Janeiro
Contato: semvanderson@hotmail.com

A dupla índole do tempo Quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fieis ouvirem com mais frequência a Palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do mistério Pascal. Por isso: a) utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; seguindo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior; b) o mesmo diga-se dos elementos penitenciais (SC 109)

1. História e Teologia da Quaresma


A Quaresma é o tempo do ano litúrgico preparatório da Páscoa, a grande celebração da salvação operada pela morte e ressurreição de Jesus Cristo. O Tempo Quaresmal começa na Quarta-Feira de Cinzas e termina na Quinta-Feira Santa, excluindo a Missa da Ceia do Senhor, que já pertence ao Tríduo Pascal.


A celebração litúrgica da Quaresma surgiu no séc. IV. Na liturgia quaresmal são duas venerandas as instituições que a ela estão ligadas, a penitência pública e o catecumenato, preparação para o Batismo, a Crisma e a Eucaristia. Não nos esqueçamos de que no período patrístico o catecúmeno recebia na noite Santa da Vigília Pascal os três sacramentos da Iniciação cristã: Batismo, Crisma e Eucaristia. Daí a Quaresma ter um duplo caráter, a saber: penitencial e batismal.
Inicialmente a Quaresma durava três semanas, mas depois, em Roma, foi alargada a seis semanas (40 dias), com início no atual I Domingo da Quaresma (na altura denominado Quadragésima die, entenda-se 40.º dia anterior à Páscoa). O termo Quadragésima (que deu a nossa “Quaresma”) passou depois a designar a duração dos 40 dias evocativos do jejum de Jesus Cristo no deserto, segundo a Bíblia, a preparar-se para a vida pública.
No ocidente afirma Augusto Bergamini: “temos testemunhos diretos somente no fim do século IV. Falam desse período Etéria (385) em seu Itinerário, Santo Agostinho e Santo Ambrósio” (BERGAMINI, A. Cristo festa da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 266).

2. A Espiritualidade no Tempo Quaresmal

“Entesoura no céu aquele que dá a Cristo; dá a Cristo o que distribui ao pobre” (Santo Antônio de Pádua)

A penitência pública ao longo da Quaresma caiu em desuso, mas ficou no espírito dos fiéis a necessidade de se prepararem ao longo de 40 dias de penitência para a Solenidade da Páscoa. Por sua vez, o catecumenato que, durante séculos, teve na Quaresma a fase de preparação imediata para os sacramentos da Iniciação Cristã na noite Santa da Vigília Pascal, também caiu em desuso (exceto entre as populações a quem o cristianismo era anunciado pela primeira vez), mas foi restaurado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), dado o número crescente de adultos que pedem para entrar no caminho catecumenal, em vista de receber o Batismo, a Crisma e a Eucaristia.
Assim, a “eleição” dos catecúmenos para a fase da “iluminação” passou a fazer-se no I Domingo da Quaresma, entrando os “eleitos” em clima de recolhimento e preparação espiritual mais intensa, marcado nas últimas semanas pelos “escrutínios” com as “tradições” (entregas) do Símbolo da Fé (Credo) e da Oração Dominical (Pai-Nosso), que eles acabam por fazer seus, proclamando-os solenemente na liturgia dominical durante a Quaresma.
Contudo, havendo ou não catecúmenos, os fiéis são convidados a viver a Quaresma em espírito “catecumenal”, preparando-se para a renovação das promessas do Batismo na Vigília Pascal, em que todos nós iniciados na fé, iremos proclamar solenemente nosso compromisso de vivermos com fidelidade nosso ser cristão. Durante os domingos da Quaresma somos pela liturgia quaresmal, convidados a reconhecer nossos pecados (Batismo com suas renúncias, nossa Crisma vivendo como homens e mulheres pentecostais e a testemunharmos ao mundo a salvação de Cristo que nos é dado com o dom da Eucaristia) para experimentar a misericórdia de Deus.
No Tempo Quaresmal fazemos a experiência de reconhecer nossos pecados recorrendo às tradicionais práticas do jejum, da esmola e da oração, entendendo-as num sentido amplo de ascese cristã (luta contra as más inclinações, seduções mundanas e tentações, e exercício das virtudes cristãs), de caridade fraterna (pela prática das obras de misericórdia) e de intimidade com Deus (escutando a palavra de Deus e dando-se às várias formas de oração). Eis as práticas quaresmais:

Penitência - a Quaresma é um tempo forte de penitência. A atitude espiritual expressa por esta palavra, tantas vezes na boca dos profetas e de Jesus Cristo, é suscitada pela consciência do pecado. Começa por ser arrependimento pelo mal praticado e sincera dor do pecado; logicamente leva ao desejo de expiação e de reparação, para repor a justiça lesada, e de reconciliação com Deus e com os irmãos ofendidos; chega finalmente à emenda de vida e mais ainda à conversão cristã, que é muito mais que uma conversão moral, para ser uma passagem à fé e à caridade sobrenaturais, com tudo o que implica de mudança de mentalidade, sensibilidade e maneira de amar.

Jejum e esmola - para assegurar expressão comunitária à prática penitencial, sobretudo no tempo da Quaresma, a Igreja mantém o jejum e a abstinência tradicionais. Embora estas duas práticas digam hoje pouco à sensibilidade dos fiéis, mantêm-se em vigor, com variantes de país para país.

Fica a dica: para nós católicos são dias de jejum para os fiéis dos 18 aos 59 anos (a menos de dispensa, por doença ou outra causa) a Quarta-Feira de Cinzas e a Sexta-Feira Santa (convidando a liturgia a prolongar o jejum deste dia ao longo do Sábado Santo). E são dias de abstinência de carnes, para os fiéis depois dos 14 anos, com possibilidade de substituição por outras práticas de ascese, esmola (caridade) ou piedade, embora seja aconselhado manter a prática tradicional nas sextas-feiras da Quaresma de se abster de carne.
No que diz respeito à esmola, ela deve ser proporcional às posses de cada um e significar verdadeira renúncia, olhando sempre para os mais pobres e necessitados.

3. A liturgia na Quaresma

Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso, iniciar com este dia de jejum o tempo da Quaresma, para que a penitência nos fortaleça no combate contra o espírito do mal. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo (Oração do dia – Quarta-feira de Cinzas – Missal Romano).

O rico conteúdo da Quaresma é determinado pela sua finalidade, segundo fica explícito pelo Missal: uma preparação para a Páscoa. A penitência, o jejum, a esmola e a abstinência de carne não tem um sentido, nelas mesmas, mas como preparação para a Páscoa de Cristo.
Este ano de 2014, estamos no ano A, portanto: Quaresma batismal. O ano A retoma os grandes temas batismais do antigo Lecionário romano, que tinham sido transferidos para os dias feriais. Os mistérios celebrados em cada domingo do Tempo Pascal evocam: o encontro de Jesus com a samaritana, prometendo dar-lhe uma água nova; a cura do cego de nascença, apresentando o batismo como uma luz; a ressurreição de Lázaro, como sinal do que seria a verdadeira e definitiva ressurreição de Jesus. Cada um destes temas caracteriza todo o formulário da Missa do dia. Por isto, neste ano de 2014, portanto, ano A, iremos nas assembleias litúrgicas vivenciar uma quaresma batismal, preparando os catecúmenos que serão batizados e a comunidade que renovará as promessas batismais na Noite Santa da Vigília Pascal.
A liturgia quaresmal proporciona o clima mais adequado a este tempo, ou seja, do recolhimento, da penitência, da mortificação, mas sempre me vista de podermos melhor celebrar, com toda a solenidade a Páscoa da Ressurreição:

pelo rito das cinzas logo no início (Quarta-feira de Cinzas) somos exortados a entrarmos com Cristo no deserto e permanecermos com Ele durante 40 dias;

pelo uso de paramentos roxos que indicam a penitência deste tempo litúrgico;

a proibição de usar flores, pois a Igreja, como esposa de Cristo, está com Ele no deserto fazendo penitência;

a indicação do toque de instrumentos musicais que sejam somente para suster o canto, assim não deve-se na Quaresma diminuir o número de instrumentos e o seu volume (com a exceção do IV Domingo, Laetare – o Domingo da alegria);

pela supressão do canto do Glória em todos os dias do Tempo Quaresmal, para com toda a força e alegria cantarmos “Glória a Deus” na noite Santa da Vigília Pascal;

pela supressão também do Aleluia e do Te-Deum. Não cantaremos durante toda a Quaresma cantos que tenham a palavra “aleluia”. Isto, fazemos para cantá-lo na noite Santa da Vigília Pascal, visto que o “aleluia” é um canto pascal;

por cobrir as cruzes e as imagens (ainda que não seja obrigatório, é um sinal que nos ajuda a vivenciarmos a espiritualidade quaresmal.

Por fim, podemos afirmar que na Quaresma, toda a Igreja revive em penitência e recolhimento o mistério da redenção a fim de renovar-se no Espírito Santo e tornar-se para o mundo sempre mais um sinal da salvação pascal, operada por Cristo. Vivamos bem o Tempo Quaresmal em preparação à celebração da Páscoa de Cristo e na santa espera pelo dom pascal – o pentecostes.

Fonte: http://pelos-caminhos-de-deus.blogspot.com.br/2014/04/quaresma-historia-teologia-e.html

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