JOSÉ O CARPINTEIRO

As novas revelações sobre a figura misteriosa do carpinteiro que foi o pai de Jesus na Terra

Por Célia Chaim 


Nos últimos tempos, os pesquisadores religiosos se debruçaram sobre escritos antigos com a missão de trazer novas revelações a respeito do mais obscuro personagem da Sagrada Família: São José, o pai de Jesus na Terra. Essas descobertas preciosas jogam luz sobre parte da vida misteriosa do homem que se comunicava com Deus através de seus sonhos e aceitou a gravidez da mulher, Maria, como obra do Divino Espírito Santo. Ele atravessou a vida envolto no manto da discrição. O mesmo ocorreu com sua imagem na história do cristianismo. Talvez por causa de todo esse mistério, foi criada em torno dele uma aura de encanto forte o suficiente para atrair milhões de admiradores nos dois milênios seguintes. Agora, com esses achados, seus devotos e o mundo cristão têm a chance de entender pelo menos parte desses enigmas. 


José não veio do mundo das letras, não pertencia a nenhum grupo religioso ou da burocracia estatal. Um homem do interior, da pequena vila de Nazaré, tão minúscula que nem sequer é mencionada em todo o Primeiro Testamento. Na época, falava-se que ele era fundamentalmente um carpinteiro, que fazia casas, telhas, móveis... As pesquisas recentes trazem revelações importantes sobre São José. A primeira: ao contrário do que muitos acusaram no passado, ele não era um pai alienado e distante. Na verdade, mostrava-se adorável para Jesus, o guiava e o tranqüilizava com beijos. Outra constatação: depois de Maria, era ele o mais respeitado, ouvido e valorizado por Deus. Apontou-se também, numa nova corrente de crença religiosa, que ele, na sua espiritualidade, se comunicava e recebia mensagens do Senhor através de sonhos, como uma espécie de telepata. 


Um dos raros livros que registram a vida desse homem enigmático – São José, a personificação do Pai (Editora Verus), de Leonardo Boff – conta que o artesão, descendente de David, tinha a oficina no pátio da casa. E que ali, entre pregos, martelos, rolos de barbante e cunha, Jesus teria iniciado na vida profissional. “É dentro desse universo de trabalho, de mãos calosas, do suor no rosto, das canseiras cotidianas e do silêncio, que se desenrolou a vida anônima de José. Provavelmente, ele e Jesus também teriam trabalhado no campo, no cultivo de plantas e legumes e no pastoreio de cabras, ovelhas e gado”, conta Boff. 


São Mateus caracterizava José como um homem de personalidade marcada pela justiça. Uma definição idêntica à do professor de teologia da PUC-SP e ex-padre Fernando Altemeyer. “Ele era um homem justo, como disse minha mãe”, diz o teólogo. E silencioso. São José não deixou uma palavra. “O silêncio é a essência de José e a de quem ele personifica: o Pai celeste”, diz Boff. O reverendo Joseph Chorpenning, diretor editorial da St. Joseph’s University Press, da Filadélfia, diz sobre o silêncio em torno de São José: “Na medida em que os Evangelhos são esparsos em detalhes sobre José, e ele parece desaparecer de cena sem-cerimônia, acredito que isso tenha despertado uma espécie de meditação sobre ele em grandes figuras da cristandade ocidental, gerando um retrato mais completo.” Até a data de sua morte é desconhecida. Só na França provocou grandes escritos. Sabe-se que é descendente de David. 


O pai de Jesus e marido de Maria ainda não encontrou o lugar merecido dentro da reflexão da teologia. Mesmo assim, milhões de pessoas, lugares e instituições levam o seu nome – o mesmo nome que, curiosamente, não aparecia em nenhuma lista de santos ocidentais até o ano 1000. O Corão, que data dos anos 600, dedica um capítulo a Maria e nenhuma linha a José. Seria ele o pioneiro dos excluídos? Quem gosta dele não só gosta, adora, como o escritor e devoto Paulo Coelho. “Fico feliz de pensar que a mesa onde Cristo consagrou o pão e o vinho teria sido feita por José – porque ali estava a mão de um carpinteiro anônimo, que ganhava a vida com o suor do seu rosto e, justamente por causa disso, permitia que os milagres se manifestassem”, ele escreve no prefácio do livro de Boff. As escrituras minimizam até seu papel no Natal a mero coadjuvante de presépio, mas o relacionamento de José com Jesus inspirou gerações a explorar suas virtudes ocultas. 


Inicialmente, elaboraram sua história para reforçar doutrinas contestadas de Maria. Outros o utilizaram para responder a crises no catolicismo ou na sociedade, com vários papas elevando sua imagem como pai de família, trabalhador, patrono de toda a Igreja, uma mistura variada. Difícil imaginar todos os Josés se unindo numa única personalidade. Perguntado sobre São José, o padre Ivan Roberto Danhoni, da centenária Paróquia São José do Belém, em São Paulo, é objetivo: “Era noivo de Maria, carpinteiro e recebia mensagens de Deus em seus sonhos.” Num deles – continua padre Ivan – é comunicado que o que aconteceu com Maria (a gravidez) é obra do Espírito Santo. José, então, a aceita como esposa e a Igreja lhe dá o título de pai e protetor. “Pai porque é ele que vai cuidar da criança e ensinar a ela a sua profissão.” É quando São José passa a ser o pai adotivo de Jesus. 


Imagens fantasiosas fazem de José um patriarca velho, com barba e cabelos brancos. Elas prevalecem em fotos e imagens vendidas em antiquários e nas igrejas que levam seu nome. Outras dizem que José era jovem e bonito. Os estudiosos ainda não descobriram qual delas predomina, mas sabem que ele era um homem que se comunicava pelos sonhos. É estranho, mas, dizem os livros, foi assim que recebeu a recomendação de ficar com Maria, apesar da gravidez divina, e dar o nome de Jesus ao filho. 


O mais intrincado capítulo da história recai sobre a geração do Filho de Deus. A versão que prevalece é a de que Jesus nasceu de uma gravidez divina, tendo como pai o Espírito Santo. Maria, por essa divindade, continuou virgem. E São José? Ele teria se transformado no pai de Jesus na Terra. Essa é a versão dominante entre a maioria das pessoas. “É o Flamengo”, diz o professor Altemeyer. “Quem acredita veste a camisa.” A outra versão é delicada: põe em dúvida a virgindade. Os pais da Igreja debateram ferozmente se a união de Maria e José poderia de fato ser considerada um casamento e se José deveria ser chamado de pai de Jesus. Foi uma grande fofoca cristã que se virou contra ele. 


Pobre São José. A arte cristã primitiva às vezes o omitia. E até zombava dele. Ocasionalmente, era pintado dormindo em um evento. Até em brincadeira ele se tornou personagem entre os clérigos católicos: “Se alguém diz que vai fazer uma meditação de São José, isso significa que está dizendo em tom de brincadeira que vai tirar uma soneca.” Essa desmoralização do “santo” José só se reverteu no final dos anos 1300, quando ele passou por uma das mais extrordinárias reabilitações religiosas da história do cristianismo. O século XIV viu a fome, a Guerra dos Cem Anos (entre França e Inglaterra, que tornou Joana D’Arc um fenômeno inacreditável na arena machista) e a peste negra. A própria Igreja estava doente, cada vez mais corrupta. Em contraste, José virou um “pai adorável” para Jesus, bem diferente das descrições anteriores, de um homem alienado e distante. No livro Christ the Lord! (Cristo, o Senhor!), Anne Rice, escritora americana, retrata José como um líder e protetor resoluto de um garoto que apenas gradualmente percebe sua natureza única. 


Um cristão curioso sobre José não consegue ir além da inspiração sólida do carpinteiro que é, no mínimo, o pai humano de Jesus, um herói trabalhador que não nasceu para a santidade, mas que, por sua crença duramente conquistada e resoluta, encontra um papel na salvação. São José é universal. É o santo oficial dos católicos do México e do Canadá. Mais mistérios: sua aparência, ao longo do tempo, mudou. Em 1570, Johannes Nolanus, o czar da arte religiosa, baniu o velho José da história e o transformou em “vigoroso e atraente”. Teria se tornado o padroeiro das famílias – o que prevalece até hoje. 


O culto a São José começou provavelmente no Egito, passando mais tarde para o Ocidente, onde hoje alcança grande popularidade. Em 1870, o papa Pio IX o proclamou Patrono da Igreja Universal e, a partir de então, ele passou a ser cultuado no dia 19 de março. Em 1955, Pio XII fixou o dia 1º de maio para “São José Operário, o trabalhador”. Em 1962, o papa João XXIII colocou o nome de José no cânone da missa – a primeira inclusão registrada em mais de 1.300 anos. As novas pesquisas mostram que era ele que o Filho de Deus chamava de “pai” nesta terra, o padroeiro dos trabalhadores, por ser o carpinteiro que conseguia o sustento de sua família. “Como é doce, calmo, sereno, suave o pensamento de São José, meu primeiro e predileto protetor (João XIII).” “Alguns santos receberam o privilégio de nos proteger em casos particulares. A São José foi conferido o encargo de nos socorrer em toda a necessidade e em qualquer negócio: de defender, proteger e amparar com perene benevolência todos os que a ele recorrem (São Tomás de Aquino).” 


A figura de São José está cercada de ambigüidades. Mesmo assim, ele tem um lugar assegurado no coração dos fiéis. Em alguns países da Europa, inclusive a Itália, o 19 de março também é festejado como o Dia dos Pais. “Por outro lado, ele é o protótipo da pessoa apenas coadjuvante, silenciosa e anônima. Ele ainda é uma sombra, embora benfazeja. É o modelo do cristão anônimo”, como escreveu Paulo Coelho. Não deixou nenhuma palavra. Completa o escritor: “Ele falou pelas mãos, na carpintaria; pelos braços, segurando o menino Jesus; pelos pés, caminhando para o exílio no Egito; pelo amor, estando junto de Maria. E pelo cuidado, garantindo o sustento da Sagrada Família.” Os pesquisadores deram passos importantes. Mas, como se vê, ainda há um bom caminho a percorrer.

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